Suicídio: chegou a hora de falar sobre o assunto

Santa Catarina teve 453 suspeitas de suicídio em 2014

Por Dener Alano

Quase que religiosamente, Fátima, técnica de enfermagem e formada em Serviço Social, senta com o notebook na sala e passa algumas horas da noite usando o computador e assistindo à televisão, simultaneamente. O motivo: a sua sede por informação. Gosta de se sentir bem informada, conectada como ela diz. Quando está longe do computador é o celular que faz companhia. Mãe de dois filhos e natural de uma cidade no oeste catarinense, a técnica em enfermagem faz parte de diversas estatísticas: divorciada, fumante e descendente de italianos. Faz parte também de uma estatística quase que secreta, a de pessoas que já pensaram no suicídio. Segundo a Organização Mundial da Saúde, em uma sala com 30 brasileiros, cinco deles já pensaram em cometer suicídio. Fátima avançou um pouco mais, chegou a tentar uma vez – no Brasil não existe uma estimativa de quantas pessoas tentam e não conseguem. O que a motivou foi o término do namoro e a falta de dinheiro no caixa do supermercado onde trabalhava.

— Eu havia terminado com meu namorado, e o fechamento do caixa apresentou falta de dinheiro duas vezes na mesma semana. Eu estava em um quadro de depressão e não sabia, no interior ninguém sabia o que era depressão. Eu queria sumir do mundo e não sabia como. Eu só queria dormir e não lembrar de nada que estava acontecendo na minha vida.

Após a primeira gravidez, Fátima teve depressão pós-parto. A ideia de sumir do mundo voltou, mas ela não chegou a tentar o suicídio novamente.

No Brasil o número de pessoas que colocaram em prática a ideia de tirar a própria vida chama a atenção para diversos estudos, de diferentes organizações do país. Somos o quarto país da América Latina onde o número de suicídios mais cresceu entre 2000 e 2012, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde. Vistos em uma escala global, os números são ainda maiores. Cerca de 800 mil pessoas cometem suicídio em todo o mundo anualmente. É como se a cada 40 segundos houvesse um óbito. Num total de 193 países reconhecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil faz parte dos 28 que possuem estratégias nacionais de prevenção ao suicídio. O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece acompanhamento psicológico, psicoterápico e assistência psiquiátrica hospitalar.

A ONG Centro de Valorização da Vida (CVV), fundada no Brasil em 1962, faz um trabalho de apoio emocional para prevenção do suicídio. Em Florianópolis, a organização fica no prédio 639 da Avenida Hercílio Luz, no Centro da cidade. Trabalham 35 voluntários que atendem gratuitamente entre 20 e 25 pessoas durante todo o dia. O posto de atendimento fica no quarto andar de um prédio comercial, e possui duas salas que foram montadas com o objetivo de deixar claro que tudo é sigiloso. Um aviso fixado na porta informa: “Lembre-se: o que você viu, ouviu e conversou aqui dentro, fica aqui dentro”. Os apoios são feitos por telefone, pelo número 141, ou presencialmente. Um dos objetivos dos atendimentos é ajudar na prevenção. Em 2014, o CVV recebeu 5956 ligações e. neste ano, 2629 até o mês de julho. O único registro feito é o número de ligações em que houve o atendimento. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 90% desses casos podem ser prevenidos se trabalhados e acompanhados.

Segundo os dados do Instituto Médico Legal (IML) sobre suspeitas de suicídios em Santa Catarina em 2014, Florianópolis foi a cidade com o maior número. Foram 56 óbitos, sendo 45 homens e 11 mulheres, com idade média de 42 anos, tendo a causa mais comum a morte por asfixia. Já a cidade de Concórdia, no oeste catarinense, apresentou 39 ocorrências, com 15 anos como a idade média dos óbitos. No estado, o total de suspeitas de suicídios é de 453. Esses números podem ser ainda maiores, já que alguns casos são considerados como acidentes. Um exemplo é o suicídio causado por remédios que pode ser registrado como uma intoxicação, declara o médico legista Marcos Aurélio Lima, que trabalha há sete anos no IML.

— Temos praticamente um caso de suicídio a cada semana em Florianópolis. É um caso grave de saúde pública.

Há 21 anos, a engenheira civil Carmen*, 57, cumpre mais do que as quatro horas semanais mínimas de um voluntário do CVV. Conheceu o projeto através de uma propaganda de rádio que chamava por novos voluntários. Hoje, além de ser responsável por fazer atendimentos também é uma das coordenadoras do projeto, e apresenta o programa  Momento CVV, na rádio Cultura AM. Quanto perguntada sobre a mídia não falar sobre suicídio, Carmen lembra de como a AIDS já foi um tabu nos anos 1980:

— Não se falava da AIDS e aconteceu uma epidemia. Quando as pessoas foram informadas sobre, houve uma redução nos números. O que se pretende com o suicídio é isso. Se eu começo a ter informação, esse comportamento muda.

Falar sobre o assunto é o que está acontecendo. Em setembro, a Associação Brasileira de Psiquiatria divulgou uma cartilha com 48 páginas de como a mídia deve tratar o suicídio, que para a Associação é considerada uma questão de saúde pública. Setembro também foi escolhido como mês de combate, e 13 foi a data escolhida como o Dia Internacional de Prevenção ao Suicídio. No Brasil, diversos veículos de comunicação fizeram reportagens mostrando os dados no país e no mundo. Jornais como o Diário Catarinense e Diário de Santa Maria lançaram reportagens especiais sobre o tema. A mídia começa a mostrar dados que antes não eram divulgados e abre um debate sobre o assunto. Se antes a questão era ignorada, mais uma vez houve uma abertura na mídia para se falar sobre. Pela primeira vez uma telenovela mostrou uma cena de alguém tirando a própria vida. A novela ‘Verdades Secretas’ produzida pela Rede Globo, exibiu no dia 25 uma cena em que uma das protagonistas comete o suicídio. O autor da novela, Walcyr Carrasco, disse em entrevista ao Jornal Estadão:

– Não há causa de morte mais secreta que o suicídio. Fulano morre de acidente, de câncer, de AVC, do coração, de mal súbito, mas simplesmente morre, sem causa anunciada, quando tira a própria vida. A causa do suicídio é algo ainda mais secreto.

Carmen e  Walcyr Carrasco concordam que o tema tem que ser conversado e debatido, que não pode mais ser ignorado. O professor Carlos Remor, doutor em psicanálise, acredita que é uma das doenças mais complexas. Diversos fatores podem levar alguém a cometer. Ele associa a doença não ao fato da pessoa querer se matar e sim a procura do alívio de uma dor ou pressão.  “Na verdade, não é que a pessoa queira se matar, é que a pessoa não consegue mais obter satisfação com a vida. Ela quer matar nela uma determinada vida para ter outra, só que aí o desespero é tão grande que ela vai junto. Ela quer acabar com o sofrimento”. Complementa que não existe uma fórmula para o tratamento de quem tentou suicídio. “Primeiro, é preciso saber o que a pessoa quer fazer; há pessoas que não adianta você fazer nada. Para outros, é importante saber se ele está mal para que possa procurar ajuda profissional, que é o máximo que se pode fazer. Às vezes, algum apoio para a família pode ser importante, ou a família dar apoio para ele também, mas isso depende de cada pessoa”.

Falar sobre o tema é uma oportunidade para que pessoas que pensam em cometer suicídio saibam que podem procurar acompanhamento e que existem organizações que podem ajudar. Setembro de 2015 foi mais um passo que a mídia deu para levar informação sobre o tema.

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